NÃO FUMO NEM CHEIRO Ubiratan Teixeira (*)
Durante os dias 16 e 17, ao longo desta semana, aconteceu a “3ª Semana Político Cultural” promovida pelo Instituto Maria Aragão. Construo a crônica antes da realização do evento alavancado por uma inquietação que vem consumindo intensamente meus neurônios nos últimos anos esperando contudo que rádios, jornais e televisões ponham de lado seus achaques mesquinho de não divulgar atividades de partidários políticos contrários e cubram o acontecimento com a dignidade que ele merece; sobretudo por termos a chance de poder trocar figurinhas com essa criatura de rica história que é Sílvio Tendler trazido até nós de badeja pela instituições promotora do evento. E nesta tomada de fôlego começa minhas quizilas as quais exponho mesmo que fora de hora: será que a direção da Semana tenha tido o zelo de agendar um fraterno encontro do notável cineasta e ícone cultural do continente com nossos históricos cineclubistas e lendários homens do super/8 e outras ilustres bitolas locais? Esses que foram os responsáveis por um momento de excelente foco em nossa vida cultural, responsável pela existência do “Guarnicê de Cine & Vídeo”, Ubaldo, Murilo Santos, Nerine Lobão, Ivana, Coelho Neto, Zequinha Boemia, Cintra, Joaquim Aikel, Cláudio, Tribuzi, Ivan Sarney... (E quando enfatizo “semana” de dois dias é sem más/intenções, quem continua vivo e esteve presente deve se recordar de quantos dias foi a histórica e consagrada Semana de Arte Moderna de 22 em São Paulo.) Essa tola introdução é apenas para voltar a lembrar que continuamos alimentando com soberba esse cruel autofagismos contraído em alguma curva maligna do tempo, vírus pestilento que está desmontando nossa memória histórica, dissolvendo nosso caráter cultural, diluindo tudo que fomos num caldo ralo e sem textura, para alegria do sul do país. Quando concluo a leitura de uma obra como “O Monstro Souza” de Bruno Azevedo (editora Pitomba) e sei que nosso romance festifud está sendo atropelado sem nenhuma piedade por uma coisa insossa e desvertebrada chamada “submarino” de um tal Joe tolice qualquer, minhas bolas entre as coxas começam a arder. Diferente de outras culturas que procuram preservar com dignidade seus valores, a pernambucana, baiana, gaúcha, paraense, mineira, entre outras, nós maranhenses abrimos a guarda e permitimos a intromissão: quando não a destruição total do que foi deixado de herança: material e imaterial. Ainda hoje, em Belém do Pará, quando por lá passo, bebo tacacá na cuia em qualquer esquina do centro da cidade a partir das quatro da tarde; o maranhense nascido em São Luís a partir dos anos 50 do século passado não sabe o que seja um derreçol, nunca lambeu um pirulito de maracujá, tomou um raspadinho de coco, maracujá ou tamarindo, comeu peixe frito numa “lanterna vermelha” (petisqueiras outrora instaladas nos becos e vielas da cidade) ou raspado um coré de melancia na Praia do Cajú; enxotado o ditador de suas vidas, e povo egípcio está tentando encontrar os caquinhos da túnica de Tutancâmon violado por vândalos durante o conflito recente enquanto na maciota vamos perder um valioso certificado de patrimônio cultural conferido pela UNESCO por causa de nossa ancestral preguiça de tratar da casa com zelo – é doloroso assistirmos, sem nada podermos fazer o centro histórico de São Luís se desmoronando fragorosamente. Em que outro lugar do mundo a humanidade tem um conjunto arquitetônico como a Praça João Lisboa, rua d Palma, rua Vinte e Oito, Beco Escuro? Quando o cidadão brasileiro investido de uma função pública vai entender que o cargo não é seu vaso sanitário, onde ele pode despejar suas mazelas mal absorvidas, mas que aquela é uma função de serviçal da população que está lhe remunerando para que desenvolva com racionalidade ações políticas adequadas e esperadas para a área? Não espero que o Ministro do Esporte viva equipado de chuteira e caneleira marcando gols de placa pelos estádios do país, nem que o da Cultura se arme de pena & papel e comece a produzir obras imortais - mas que ambos saibam com critério e lucidez os horizontes de suas ações, conheça os pontos de equilíbrio das áreas para as quais foram convocados e quais são as necessidades reais do povo que serve atento inclusive para esse raro detalhe comum a todos que é o de servir e não servir-se. Discute-se muito hoje nos noticiários de televisão e nas sessões especializadas dos jornais o interesse dos partidos políticos em determinadas áreas da administração pública nacional e fico me indagando, se mesmo tendo superado com dignidade dois cruéis períodos de exceção (Estado Novo e 64), já conquistamos maturidade partidária bastante para reivindicarmos direitos e privilégios ou se como partido qualquer coisa não passamos de um aglomerado de fominhas? Que partido político é esse que deixa meus filhos sem escola, nossas crianças sem creches, meus achaques dependendo de planos de saúde falidos, sem segurança pública adequada e opção Zero de lazer? Ao ser convocado para uma função pública o cidadão deve entender que foi chamado para Servir. Recordo-me de duas criaturas que merecem referencia na história de minha vida, pela maneira plural como exerceram sua vida pública, que sem desmerecer dezenas de outras personalidades que passaram pelas Casas de Cultura tanto do Estado como do Município, merecem ser citados nominalmente: Domingos Vieira Filho e Arlete Nogueira Machado. Espero que ao longo dos dois dias que durou a Semana de Cultura “Maria Aragão” tenha se falado, se não tudo, pelo menos alguma coisinha que tem provocado as crises eternas de arteriosclerose do nosso processo cultural: e que os que se consideram investidos de algum apelido político tenha comparecido ao encontro: o que duvido muito.
(*) Ubiratan Teixeira é cronista do Jornal O Estado do Maranhão; crônica publicada no caderno Alternativo, Hoje é de de... em 18/02/11
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